Translate

Postagens populares

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A VITÓRIA DA ESTUPIDEZ – CÉLIA BORGES


A inversão de valores que vem tomando conta da nossa vida prática, nos últimos anos (ou seriam décadas?) tem sido motivo de muitas das minhas crônicas anteriores, mas que depois de publicadas, me deixaram com a desconfortável impressão de estar falando sozinha. Por isso, foi um grande consolo encontrar em O Globo de 24 de novembro, uma crônica do Arnaldo Jabor, “A burrice na velocidade da luz”, onde enfim encontrei afinidades com muitas das minhas impressões e preocupações. Jabor leva sua análise ao nível mundial, o que é muito apropriado, já que vivemos numa aldeia global, de tal forma que o que acontece num determinado país, acaba afetando todos os demais. “A burrice mais crassa toma o poder no mundo”, escreve ele, na abertura dessa crônica cuja leitura recomendo a todos, embora sem muita esperança a que me dêem ouvido. Eu ainda estou naquele nível do “se queres mudar o mundo, começa pela sua própria casa”. Então, a vitória da estupidez no meu próprio país, ainda é o que mais me assusta.Não tenho pretensão de ser mais inteligente do que ninguém, mas sou alguém que dá muito valor á inteligência. Entendo a inteligência como um processo dinâmico, através do qual nossas capacidades intrínsecas são alimentadas por informação e conhecimento. Sei que existem multidões de pessoas inteligentes pelo país afora, gente que estuda, que aprende, que exerce seu ofício com empenho e competência. Mas também vejo com perplexidade que essas multidões de inteligentes estão cada vez mais omissas, quando de trata dos problemas coletivos, e das conseqüências de uma política que compromete os princípios democráticos que deveriam reger a nossa vida, e o nosso próprio futuro.Covardia, é a primeira palavra que me vem à mente, quando abro o meu jornal de cada dia. Covardias ativas, daqueles deputados e senadores que legislam em causa própria, dos juízes que vendem sentenças, de um presidente da República que não admite críticas, e que berra publicamente, sem a menor compostura, chamando aqueles que discordam dele justamente dos adjetivos que ele próprio merece. E covardia passiva, daqueles que tem os meios e a capacidade de reagir, mas que permanecem calados, conformados com a usurpação dos seus direitos de cidadão, inertes diante do desrespeito aos direitos de toda a população.A covardia coletiva toma contornos de uma doença social. Ela é ao mesmo tempo causa e efeito de uma preguiça mental, que nos remete à alegoria de Macunaíma. Ela é cúmplice da falência do nosso sistema educacional, que atualmente é muito mais eficiente em perpetuar a ignorância, do que promover o saber. É ela que nos impede de cobrar melhores salários para os professores, melhor investimento em formação, de exigir escolas minimamente decentes, capazes de motivar os estudantes para darem valor ao conhecimento.Também é a covardia que nos imobiliza, diante da incompetência, da corrupção e da arrogância de um sistema judiciário, pra lá de falido. Ministros e desembargadores, nomeados para altos cargos pelo poder executivo, acabam lacaios, reféns dos interesses de quem os indicou. O desempenho do judiciário brasileiro está abaixo de qualquer crítica, mas seus representantes estão sempre mais interessados em garantir freqüentes aumentos dos seus salários, antes de estarem comprometidos com os anseios, necessidades e exigências da população que paga seus exorbitantes vencimentos.Sem educação e sem justiça, o que nos espera? Embora muitos ainda não se dêem conta, estamos mergulhados até o pescoço num mar de estupidez. Num país que parece precisar de um sistema de cotas para garantir acesso aos “negros” no ensino superior, matéria dessa semana nos jornais, nos informa que existem mais de um milhão de vagas ociosas nas nossas universidades. Outra matéria revela um parecer do STF, segundo o qual 1/3 das nossas leis é inconstitucional. Mas o que se pode esperar de um legislativo, formado por pessoas de quem não se exige mais do que saber assinar o nome? A estupidez gera a irresponsabilidade, a falta de compromisso. Afinal, ela é protegida pela impunidade. Impunidade essa que alimenta a violência, a corrupção, o vandalismo. E assim, sobrevivemos um círculo vicioso, com os oportunistas tomando o poder de assalto, e fazendo de suas permanências no poder o único objetivo. Para o povo, pão e circo. E para os inconformados, o ostracismo. Críticas não são bem vindas, pensar é tanto um crime quanto um pecado. Até artistas famosos, como o Caetano Veloso, podem ser apedrejados por falarem o que pensam. E os cidadãos comuns, como eu, quando dizem ou escrevem o que pensam, falam sozinhos. Ou correm o risco de serem segregados socialmente, relegados à categoria dos “chatos”. A inteligência anda envergonhada, diante do avassalador poder que vem sendo conquistado pela burrice e pela estupidez. Como escreveu o Jabor, “É a vitória da testa curta, o triunfo das toupeiras. Inteligência é chata – com seus labirintos. Inteligência nos desampara; burrice consola e explica. O bom asno é bem-vindo, o inteligente é olhado de esguelha. Na burrice não há dúvidas. A burrice não tem fraturas. A burrice alivia – o erro é sempre do outro.”Célia Borges

ROBERTO DONATI - CÉLIA BORGES


O nome de Roberto Donati é frequentemente associado ao do pintor Alberto da Veiga Guignard, por ter esse genial artista vivido em alguns períodos, entre 1940 e 1944, no Hotel Repouso, em Itatiaia, de propriedade de Donati, de quem era grande amigo. Ali, recuperando-se de problemas de saúde e encontrando abrigo para enfrentar as dificuldades financeiras, Guignard teve um período extremamente produtivo, do qual ainda se conhecem alguns quadros.

Donati foi amigo de muitos artistas - compositores, músicos, cantores líricos, romancistas, poetas e pintores - que frequentaram o seu hotel desde 1931, quando foi inaugurado, mas as referências biográficas sobre ele mesmo são raras. Há um esforço de pesquisa sendo realizado para recuperar documentos, já que a maioria das informações que se pode obter, são resultados de lembranças de pessoas que conviveram com ele.

Roberto Donati nasceu em Berlim, por volta de 1886, tendo deixado a Alemanha logo depois da primeira Guerra Mundial, estabelecendo-se em Paris, onde dedicou-se ao comércio de peles. Essa mesma atividade levou-o a Argentina, onde viveu até meados da décado de 1920, quando veio para o Brasil, onde radicou-se definitivamente. Homem culto, falava oito idiomas e tocava piano. E foi justamente a música que o inspirou para uma nova atividade profissional, quando veio para o Rio de Janeiro, tendo adquirido a Casa Carlos Wers, especializada na venda de instrumentos musicais e partituras. Mais que um negócio, a Casa Wers foi um ponto de encontro dos artistas da época, onde Donati teve a oportunidade de cultivar uma verdadeira legião de amigos, que preenchiam sua vida solitária. Tendo perdido na guerra a família, os amigos, e possivelmente àquela que teria sido o grande amor da sua vida, tinha em seu país natal apenas duas sobrinhas... e foi no Brasil que ele encontrou um novo tipo de fraternidade, entre pessoas com as quais partilhava sua sensibilidade e generosidade.

Pouco depois de chegar ao Brasil, Donati conheceu Itatiaia, onde costumava hospedar na famosa Pensão Walter. Encantado com o local, onde encontrou outros imigrantes europeus, vindos em 1908, na época da criação do Núcleo Colonial do Itatiaia, Donati adquiriu em 1928 a gleba 128, do mesmo casal Walter que o hospedava. E ali construiu o Hotel Repouso, inaugurado três anos mais tarde. Na época não havia estrada, e o material da obra era transportado em carros de bois. E os hóspedes tinham que chegar lá à cavalo. Em poucos anos, o hotel transformou-se em seu principal interesse, tendo fechado a Casa Carlos Wers para dedicar-se integralmente. Afinal, o hotel era também um bom endereço para receber seus muitos amigos, como o poeta Vinícius de Moraes, que se refere a ele em algumas cartas. E como Alberto da Veiga Guignard, que retribuía a hospitalidade de Donati pintando muito, inclusive nas portas, paredes, traves e janelas da cabana que ocupou, e na sede do hotel. O Hotel Repouso hoje, chama-se Hotel Donati, por iniciativa dos novos proprietários, herdeiros do casal Marina e Mamede Vidal de Andrade, que o administraram nos últimos anos de vida de Roberto Donati, que faleceu entre 1967 e 1968, não tendo sido possível precisar a data. A cabana onde Guignard morou ainda mantém as pinturas que ele fez, e onde, apesar da necessidade de reforma por que passou, continuam preservadas.