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domingo, 26 de outubro de 2008




“PARTEIRAS MAIS RECENTES DA HISTÓRIA DE ITATIAIA” – Carlos Lima

Muito antes de conhecermos a Medicina Tradicional, as parteiras eram as únicas responsáveis a auxiliarem que crianças viessem à luz da vida, principalmente nos vilarejos e cidades do interior do Brasil.
Elas eram mulheres destemidas e revolucionárias ao mesmo tempo, em um misto de sensibilidade religiosa e ao mesmo tempo altruísta, e sempre prontas a qualquer situação difícil que o parto pudesse apresentar.
Somente no século XIX surgiu a Obstetrícia e era uma função exercida somente pelas mulheres que detinham uma sabedoria milenar, que hoje está se apagando. Essas mulheres guardavam segredos de saúde, muitas vezes confundido com ocultismo, umbanda ou bruxaria, pela pajelança que muitas vezes adornava esse ritual de nascimento de uma nova vida.
Conforme o relato do cronista Fernão Cardim, que passou por nossa terras lá pelo século XVII, as mulheres indígenas parindo, e parem no chão, não levantavam a criança, e sim pai ou alguma pessoa que tomam por seu compadre. O pai cortava-lhe a vide com os dentes ou com duas pedras e logo se punha a jejuar até que o umbigo da criança caísse. A mãe ia sozinha para o rio ou lagoa mais próxima, aonde se lavava várias vezes. Voltava para casa e encontrava o marido na rede, como se ele estivesse parido. Assim continuava a fazer os ofícios domésticos como se nada tivesse acontecido. Esta independência do parto indígena hoje é valorizada nas técnicas de cócoras e parto no escuro. Aos portugueses cabe uma contribuição muito especial, as superstições, que ainda hoje arrematam a maioria dos tabus acerca da gravidez e do parto. Estas superstições, tinham a função de garantir que o bebê nascesse sadio e em tranqüilidade. A corrente se perpetua até hoje através de algumas parteiras, que promovem as seguintes sabedorias, ou superstições... Veja se você reconhece alguma: Sobre a Gravidez...• A mulher grávida não deve colocar um objeto sobre o seio, que o filho o trará impresso na carne. Se for chave causa lábio leporino, se for medalha, terá uma pinta escura.• Se a mãe olhar uma eclipse lunar, o filho nascerá com uma meia lua no corpo. Se olhar bichos mortos, o filho terá problemas estéticos, nascera torto ou aleijado.• Não deve atravessar água corrente se não perde o neném. • Se pisar numa cobra esta morrerá.• Se tomar um susto, o marido deve lavar imediatamente o rosto e dar a mulher de bebê, para um nascimento sadio.• Quem prometer objeto à mulher grávida e não cumprir a promessa vai ficar com o rosto cheio de espinha.• Se a grávida brincar com animais de pêlo, o filho será cabeludo.Sobre o parto....• As meninas que nascerem de bruços serão estéreis.Para a mulher não ter mais filho, depois do parto, tocar com a mão direita no altar ou por o nome do último filho de Geraldo.• Depois do parto não pode olhar para escamas de peixe, senão a placenta não sairá.• Mulheres de boca grande parem depressa.• Mulher de mãos finas e perna grossa tem o parto difícil.• Quadril estreito o parto é horroroso.• Para facilitar na hora, deve –se dar para as mulheres uma beberagem feita de pimenta, sal, alho e água.• E por fim, na roça, o marido deve montar a cavalo e sair em retas, mas deixar o seu chapéu na cabeça da mulher que está parindo, para que o sucesso seja total.
As africanas fizeram um mistura de tudo, das novas técnicas introduzidas pelos portugueses, com a independência das índias e os famosos ungüentos feitos da natureza, que eram de origem africana e árabe. Consideradas a origem das melhores parteiras do Brasil, traziam segurança às parturientes que nelas viam a encarnação dos espíritos da natureza. Uma característica destas parteiras é que tudo vem com uma receita, e receita gostosa, não o caldo de pimenta e a reclusão promovida pela cultura portuguesa. Por exemplo, para o bom parto é uma canja de galinha arrepiada, “abre as carnes” e facilita a saída do bebê. O cordão umbilical da criança deve ser enterrado em casa, para que ele ame sempre a família. Para se ter muito leite, canjiquinha na mãe. A boa comida, o prazer e a entrega à maternidade são uma lição destas parteiras africanas.
Tinha uma coisa bonita, que era típica do Brasil, inclusive das grandes cidades. As igrejas anunciavam o nascimento das crianças com nove baladas, seja a hora que fosse, a vida era celebrada.
Na história recente de Campo Belo à atual Itatiaia dois nomes são merecidamente destacados o da DONA MAGGI e o da Dona Neusinha.
Geralmente a opção de roupa masculina era o vestuário mais cômodo para os trabalhos da profissão não remunerada e mais decente para uma parteira. Julgava que esse aspecto exterior deveria inspirar confiança na parturiente, distinguindo a parteira das demais mulheres. Certamente era também uma necessidade na época, quando as poucas mulheres que se aventuravam a sair à noite sozinha eram tomadas por prostitutas.
Só era possível dar a luz a uma criança em Resende e o transporte era muito precário naquela época.
Não havia maternidades e dar à luz fora de casa, na enfermaria da Santa Casa, era apavorante. O recurso era usado apenas em casos de partos complicados, pois as mortes eram frequentes, pela falta de controle das infecções. Ajudar no parto e dar os primeiros-socorros aos recém-nascidos fazia parte das atribulações do sexo feminino, cujos conhecimentos eram transmitidos de geração para geração. Tanto as senhoras faziam o parto de suas escravas, parentes e vizinhas, como as escravas partejavam as senhoras.
A partir do início do século XIX, os médicos passaram a taxar como ignorantes e a perseguir não só as parteiras, mas todos os práticos que se dedicavam à cura, como sangradores, boticários, dentistas, numa tentativa de uniformizar o saber e evitar a concorrência. Para poder exercer essas atividades, passou-se a exigir diploma, obtido nas duas únicas faculdades de medicinas existentes no país, a do Rio de Janeiro e a da Bahia, criadas em 1832. No caso das parteiras, a formação deveria ser obtida no Curso de Partos, anexo à Clínica Obstétrica (então nomeada Cadeira de Partos, Mulheres Pejadas e Recém-Nascidos).
Os médicos eram responsáveis pelo regulamento e ensino, o que reforçava a posição de autoridade em relação às parteiras e legitimava normas de conduta segundo os preceitos por eles estabelecidos. Porém, eles ainda tinham muita dificuldade em ter acesso ao quarto das parturientes: só eram chamados em partos difíceis, quando era necessária alguma operação.
O número de parteiras formadas no Brasil, no século XIX, foi pequeno. Para a inscrição, exigia - se que as alunas fossem alfabetizadas e soubessem francês. A maioria das parteiras continuou a exercer a função sem diploma. Boa parte das parteiras diplomadas vinha de outros países. Muitas, além de fazerem o parto no domicílio das parturientes, recebiam clientes em casa. Aí eram atendidas em geral escravas, negras livres, e mulheres que por alguma razão estavam impedidas de dar à luz em suas próprias casas, como por exemplo, as provenientes do interior, as mães-solteiras e as viúvas. Esses estabelecimentos não possuíam boa fama, pois havia rumores de que também faziam abortos.
D. Maggi realizou mais de 2 mil partos em quase sessenta anos de atividade profissional. Em Itatiaia, não foi a única parteira a ter uma carreira tão longa.
D. Neusinha também foi uma parteira muito conceituada. Muito inteligente. Era auxiliar de enfermagem formada. Atendia pelo Posto de Saúde daqui pela Prefeitura Municipal de Resende(na época que aqui ainda era o 4º Distrito de Resende).
D. Neusinha ficou conhecida em todo o país quando inscreveu-se em um Reality Show – “ O Céu é o Limite” na época apresentado pelo apresentador Jota Silvestre, da extinta TV TUPI, na qual defendia as perguntas sobre a vida de Dante Alighieri, perdendo quase no final do programa. Indagada ao sair do programa se desejava um GIPP. Ela não hesitou e respondeu: __ Uma mula. Eu quero uma mula para realizar meus partos. Em Itatiaia, há lugares de difícil acesso e para ajudar as parturiantes, não existe transporte melhor que esse. E foi aplaudida e ovacionada por todos.
Com o passar dos anos, D. Neusinha se empenhava na função e era cada vez mais reconhecida. Sabia a aplicação do fórceps, a versão, a embriotomia, a “encerebração”. Sabia cuidar de parturiente com eclampsia e hemorrargia, complicações muitas vezes fatais, e como reanimar o feto, restabelecendo a respiração. Era mais bem preparada por ter um conhecimento médico, o que não tornava D. Maggi menos preparada, porque também tinha bons conhecimentos.
Ambas morreram pobres materialmente, porém a riqueza histórica de vida não poderá nunca cair no esquecimento.
Cabe aqui um aparte: D. Neusinha foi a minha parteira e quem auxiliou na escolha da minha família adotiva aos 30 dias de nascido.
Bibliografia do autor


1)Várzea, Mariana – Museóloga – Blog o.vento.me.disse 5 de abril de 2008
2) Fontes populares do AUTOR – pesquisa com moradores antigos de Itatiaia
3) Mott, Maria Lúcia - doutora em História pela Universidade de São Paulo e pesquisadora do Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.