Terra Roxa - “A Província de São Paulo”- 2/12/1876
por J.E.O. BRUNO
Dr. Luiz Pereira Barretto
Os paulistas do Oeste de São Paulo, em geral, não suspeitam o quanto a sua terra está na tela da discussão corrente nas outras províncias, mas, com especialidade na do Rio de Janeiro. Agricultores, literatos, estadistas, comerciantes, homens de ciência, ali encontram matéria abundante para toda sorte de considerações econômicas, sociais, políticas e filosóficas. Mesmo as menos perspicazes não escapa o notável contraste entre o rápido incremento dos progressos materiais da província de São Paulo e a posição improgressiva da maior parte de suas irmãs. A atitude de São Paulo é, de fato por demais proeminente para não provocar reflexões desta ordem. A sua prosperidade crescente não pode deixar de pôr em relevo a imobilidade de suas vizinhas, e, sobretudo, a irremediável decadência das do norte do império. Ao passo que o Maranhão, por exemplo, outrora tão florescente e com todas as aparências de um longo fôlego, hoje lá jaz prostrado, exausto e reduzido ao desesperado papel do paisano Russo, que come a sua semente de planta e resigna-se aos golpes de sorte; ao passo que Pernambuco e Bahia, em outro tempo as mais belas dentre as primeiras, não conseguem dar vida aos seus vacilantes ensaios de estrada de ferro; ao passo que o Rio de Janeiro, não obstante o prestígio e o poderoso influxo da monarquia a seu favor, confessa-se falida na esfera agrícola, vemos a província de São Paulo cada vez mais vigorosa renovar de ano para ano as suas forças e resplandecente de energia alargar os horizontes de sua atividade e de seu futuro. É natural que uma tão vistosa superioridade desperte em todos os brasileiros a mais viva curiosidade e provoque o justo desejo de saber quais os elementos, que dão a São Paulo essa brilhante e invejável perspectiva. É neste terreno que sempre se travam as mais calorosas e instrutivas discussões. É sobre este ponto que desejo atrair a atenção dos paulistas, colocando nuamente sob seus olhos as principais peças do processo e esboçando rapidamente os traços característicos da filosofia agrícola do terreno roxo desta província. A filosofia da terra roxa ! não se assustem os srs. fazendeiros, prometo-lhes não os fazer passear pelas nuvens, nem evocar os manes de Plutão, nem tampouco destecerei as meadas de Kant. Quero simplesmente colocá-los em estado de responder às incessantes objeções e aos pedidos de informação que nos chegam de fora da província. A minha tese é a seguinte: a província de São Paulo é o que é na atualidade, graças simplesmente à sua terra roxa. Deixam de lado o massapé e os outros terrenos de grande valor agrícola, porque são todos mais ou menos degenerescência da formação roxa; o massapé,com especialidade, sob o ponto de vista da química agrícola, é facilmente conversível à categoria do terreno roxo. Demais estes terrenos constituem a ínfima minoria relativamente à quantidade da terra roxa espalhada pela província. Já se vai bem longe o tempo em que, para se explicar os fatos da história, era bastante possuir-se conhecimentos mais ou menos variados de literatura antiga e moderna. O espírito científico, que domina a existência das sociedades de hoje, tornou-se mais exigente. Não é mais suficiente dar assaltos de memória à longa lista de todos os Faraós, ou de todos os Papas, nem tampouco conhecer todos os gestos e acenos dos reis, para se dar a razão da grandeza ou a decadência dos povos. A ciência hodierna, filha do povo, impôs ao historiador, hábitos de uma mais severa disciplina e não quer dele senão explicações que tenham uma profunda raiz na terra. Perante a ciência, a civilização nasceu da terra com o primeiro homem que brandiu a primeira enxada. Os historiadores, que explicam, por exemplo, a queda do império romano ou a decadência da Grécia por meio da corrupção dos costumes desses povos, não percebem que cometem um ilogismo, uma petição de princípio. A corrupção de um povo é um fenômeno muito complexo,que precisa a seu turno de uma explicação: é um efeito de longos antecedentes sociais e não uma causa. A corrupção não é uma entidade sobrenatural, ou algum gênio mau, habitando fora da terra, e que bruscamente tenha o capricho de invadir uma sociedade só pelo prazer de fazê-lo degenerar. Filosoficamente, a corrupção é uma moléstia social, que tem a sua raiz no estômago, e, neste ponto, a ciência se acha de pleno acordo com os depoimentos das Santas Escrituras. Quando a Bíblia nos informa que o primeiro cidadão do mundo, o pai Adão, foi sentenciado a ganhar o pão com o suor de seu rosto, quis enfaticamente significar que a cólera divina escolheu bem o seu teatro de vingança, confiando a execução da sentença precisamente ao inimigo o mais feroz e implacável do homem, - o seu estômago. É, de fato, de simples intuição, se não tivéssemos estômago, a nossa organização social seria inteiramente diversa do que hoje é, ou antes não haveria o mais fraco esboço de organização social; não teríamos necessidade de instituições administrativas; não teriam razão de ser os partidos políticos ;não haveria a distinção de classes;não haveria lugar para o Estado, para a nação;não existiriam as leis reguladoras da propriedade,do casamento,da família; se- riam impossíveis asa ciências ,as artes ,a poesia, em uma palavra , não haveria sociedade, haveria,quando muito, pecorismo grosseiro e confuso. É no estômago que devemos procurar os principais segredos da história do engrandecimento ou do abaixamento das nações. Em outros termos, é da maior ou menor facilidade com que o homem obtém os meios de aplacar a fome, que decorem todos os progressos ou todos os embaraços à marcha ascendente da civilização. Sabemos,hoje, positivamente,pelos documentos pré-históricos os mais autênticos,que,quando se fundou a vila de Roma, já o solo da Itália se achava, desde há muito, coberto de imensas populações, que viviam na maior abundância, graças ao estado florescente de sua agricultura.Ainda hoje se encontram os restos das construções colossais, executadas no Latium, e que atentam a alta prosperidade dessa pequena província nos séculos anteriores à fundação de Roma. Só no pequeno território, ocupado hoje pelas Alagoas Pontinas,existiam 23 cidades ou vilas densamente povoadas.Os romanos no apogeu de sua grandeza,deixaram este pequeno mimo degenerar em foro perpétuo de febres e opilações,das quais foi Mário vítima:sob o domínio dos Papas este estado não fez senão piorar até os nossos dias .Do mesmo modo os Etruscos haviam convertido os banhados e países da Lombárdia em magníficos jardins agrícolas,graças ao mais sábio sistema de canais de drenagem. Do mesmo modo, os Samitas porfiavam em converter a cordilheira dos Apeninos em um vasto e esplêndido celeiro. Surge o povo Romano com seu espírito aventureiro e sua inextinguível sede de conquistas, e a cena muda do todo ao todo.Aos canteiros de rosas e aos campos de cereais sucedem os cardos e os carrascais;aos verdejantes e risonhos prados ,que forneciam pingues pastagens à numerosos e variados rebanhos,sucede agora o aspecto da mais sombria desolação.Em lugar da alegria,é agora a fome que passeia seu lívido olhar por toda a Itália.Os camponeses desertam os campos, a soldadesca pulula nas cidades;os palácios dos Césares,as repartições públicas, pejam-se de enxames de pretorianos.Uma nova tarefa ,urgente,formidável,se impõe à edilidade: é preciso dar pão aos ciosos esfomeados, sob pena de uma sedição sangrente.Das províncias não vêm mais farinha que baste, e forçoso é importar trigo de remotas regiões.Com a miséria,com a fome,o casamento cai em desuso,os filhos não são mais uma benção dos deuses, os seios maternos não tem leite,os braços do trabalhado se desmusculam,o paisano rompido no físico e no moral, desesperado sob o peso dos esmagadores impostos que a populaça de Roma não cessa de arremesar-lhe entre rugidos de ameaça, retira-se afinal da luta desigual: taciturno,sombrio,desfigurado,ei-lo vagando pelas estradas abandonadas ,e revolvendo em seu cérebro incendiado, o pensamento insensato, atroz, de extinguir a família....para não vê- la sofrer. A mesma cena se reproduz em cada aldeia, em cada tugúrio, por toda parte. A população decresce rapidamente, Roma já não pode fornecer o contingente de duas legiões ! Sob o reinado de Júlio Cezar, 850 mil homens vivem à custa do tesouro, e o recenseamento para ele instituído , indica já uma baixa assustadora na população e determina a criação da lei agrária, que reparte as terras da Campania entre 20 mil cidadãos pobres, tendo ao menos 3 filhos cada um. Medida esta tão inútil como a repartição forçada dos bens sob Caio Gracho, porque nenhuma delas se dirigiu à fonte do mal. Sob Augusto, a notícia da derrota do pequeno exército de Varus, enche de pavor a cidade Imperial : todos sabiam que, fossem quais fossem as violências empregadas no recrutamento, não se conseguiria mais levantar um punhado de combatentes. O caminho estava franco, e as portas de Roma largamente abertas para a invasão dos bárbaros.
Dr.Luiz Pereira Barretto
por J.E.O. BRUNO
Dr. Luiz Pereira Barretto
Os paulistas do Oeste de São Paulo, em geral, não suspeitam o quanto a sua terra está na tela da discussão corrente nas outras províncias, mas, com especialidade na do Rio de Janeiro. Agricultores, literatos, estadistas, comerciantes, homens de ciência, ali encontram matéria abundante para toda sorte de considerações econômicas, sociais, políticas e filosóficas. Mesmo as menos perspicazes não escapa o notável contraste entre o rápido incremento dos progressos materiais da província de São Paulo e a posição improgressiva da maior parte de suas irmãs. A atitude de São Paulo é, de fato por demais proeminente para não provocar reflexões desta ordem. A sua prosperidade crescente não pode deixar de pôr em relevo a imobilidade de suas vizinhas, e, sobretudo, a irremediável decadência das do norte do império. Ao passo que o Maranhão, por exemplo, outrora tão florescente e com todas as aparências de um longo fôlego, hoje lá jaz prostrado, exausto e reduzido ao desesperado papel do paisano Russo, que come a sua semente de planta e resigna-se aos golpes de sorte; ao passo que Pernambuco e Bahia, em outro tempo as mais belas dentre as primeiras, não conseguem dar vida aos seus vacilantes ensaios de estrada de ferro; ao passo que o Rio de Janeiro, não obstante o prestígio e o poderoso influxo da monarquia a seu favor, confessa-se falida na esfera agrícola, vemos a província de São Paulo cada vez mais vigorosa renovar de ano para ano as suas forças e resplandecente de energia alargar os horizontes de sua atividade e de seu futuro. É natural que uma tão vistosa superioridade desperte em todos os brasileiros a mais viva curiosidade e provoque o justo desejo de saber quais os elementos, que dão a São Paulo essa brilhante e invejável perspectiva. É neste terreno que sempre se travam as mais calorosas e instrutivas discussões. É sobre este ponto que desejo atrair a atenção dos paulistas, colocando nuamente sob seus olhos as principais peças do processo e esboçando rapidamente os traços característicos da filosofia agrícola do terreno roxo desta província. A filosofia da terra roxa ! não se assustem os srs. fazendeiros, prometo-lhes não os fazer passear pelas nuvens, nem evocar os manes de Plutão, nem tampouco destecerei as meadas de Kant. Quero simplesmente colocá-los em estado de responder às incessantes objeções e aos pedidos de informação que nos chegam de fora da província. A minha tese é a seguinte: a província de São Paulo é o que é na atualidade, graças simplesmente à sua terra roxa. Deixam de lado o massapé e os outros terrenos de grande valor agrícola, porque são todos mais ou menos degenerescência da formação roxa; o massapé,com especialidade, sob o ponto de vista da química agrícola, é facilmente conversível à categoria do terreno roxo. Demais estes terrenos constituem a ínfima minoria relativamente à quantidade da terra roxa espalhada pela província. Já se vai bem longe o tempo em que, para se explicar os fatos da história, era bastante possuir-se conhecimentos mais ou menos variados de literatura antiga e moderna. O espírito científico, que domina a existência das sociedades de hoje, tornou-se mais exigente. Não é mais suficiente dar assaltos de memória à longa lista de todos os Faraós, ou de todos os Papas, nem tampouco conhecer todos os gestos e acenos dos reis, para se dar a razão da grandeza ou a decadência dos povos. A ciência hodierna, filha do povo, impôs ao historiador, hábitos de uma mais severa disciplina e não quer dele senão explicações que tenham uma profunda raiz na terra. Perante a ciência, a civilização nasceu da terra com o primeiro homem que brandiu a primeira enxada. Os historiadores, que explicam, por exemplo, a queda do império romano ou a decadência da Grécia por meio da corrupção dos costumes desses povos, não percebem que cometem um ilogismo, uma petição de princípio. A corrupção de um povo é um fenômeno muito complexo,que precisa a seu turno de uma explicação: é um efeito de longos antecedentes sociais e não uma causa. A corrupção não é uma entidade sobrenatural, ou algum gênio mau, habitando fora da terra, e que bruscamente tenha o capricho de invadir uma sociedade só pelo prazer de fazê-lo degenerar. Filosoficamente, a corrupção é uma moléstia social, que tem a sua raiz no estômago, e, neste ponto, a ciência se acha de pleno acordo com os depoimentos das Santas Escrituras. Quando a Bíblia nos informa que o primeiro cidadão do mundo, o pai Adão, foi sentenciado a ganhar o pão com o suor de seu rosto, quis enfaticamente significar que a cólera divina escolheu bem o seu teatro de vingança, confiando a execução da sentença precisamente ao inimigo o mais feroz e implacável do homem, - o seu estômago. É, de fato, de simples intuição, se não tivéssemos estômago, a nossa organização social seria inteiramente diversa do que hoje é, ou antes não haveria o mais fraco esboço de organização social; não teríamos necessidade de instituições administrativas; não teriam razão de ser os partidos políticos ;não haveria a distinção de classes;não haveria lugar para o Estado, para a nação;não existiriam as leis reguladoras da propriedade,do casamento,da família; se- riam impossíveis asa ciências ,as artes ,a poesia, em uma palavra , não haveria sociedade, haveria,quando muito, pecorismo grosseiro e confuso. É no estômago que devemos procurar os principais segredos da história do engrandecimento ou do abaixamento das nações. Em outros termos, é da maior ou menor facilidade com que o homem obtém os meios de aplacar a fome, que decorem todos os progressos ou todos os embaraços à marcha ascendente da civilização. Sabemos,hoje, positivamente,pelos documentos pré-históricos os mais autênticos,que,quando se fundou a vila de Roma, já o solo da Itália se achava, desde há muito, coberto de imensas populações, que viviam na maior abundância, graças ao estado florescente de sua agricultura.Ainda hoje se encontram os restos das construções colossais, executadas no Latium, e que atentam a alta prosperidade dessa pequena província nos séculos anteriores à fundação de Roma. Só no pequeno território, ocupado hoje pelas Alagoas Pontinas,existiam 23 cidades ou vilas densamente povoadas.Os romanos no apogeu de sua grandeza,deixaram este pequeno mimo degenerar em foro perpétuo de febres e opilações,das quais foi Mário vítima:sob o domínio dos Papas este estado não fez senão piorar até os nossos dias .Do mesmo modo os Etruscos haviam convertido os banhados e países da Lombárdia em magníficos jardins agrícolas,graças ao mais sábio sistema de canais de drenagem. Do mesmo modo, os Samitas porfiavam em converter a cordilheira dos Apeninos em um vasto e esplêndido celeiro. Surge o povo Romano com seu espírito aventureiro e sua inextinguível sede de conquistas, e a cena muda do todo ao todo.Aos canteiros de rosas e aos campos de cereais sucedem os cardos e os carrascais;aos verdejantes e risonhos prados ,que forneciam pingues pastagens à numerosos e variados rebanhos,sucede agora o aspecto da mais sombria desolação.Em lugar da alegria,é agora a fome que passeia seu lívido olhar por toda a Itália.Os camponeses desertam os campos, a soldadesca pulula nas cidades;os palácios dos Césares,as repartições públicas, pejam-se de enxames de pretorianos.Uma nova tarefa ,urgente,formidável,se impõe à edilidade: é preciso dar pão aos ciosos esfomeados, sob pena de uma sedição sangrente.Das províncias não vêm mais farinha que baste, e forçoso é importar trigo de remotas regiões.Com a miséria,com a fome,o casamento cai em desuso,os filhos não são mais uma benção dos deuses, os seios maternos não tem leite,os braços do trabalhado se desmusculam,o paisano rompido no físico e no moral, desesperado sob o peso dos esmagadores impostos que a populaça de Roma não cessa de arremesar-lhe entre rugidos de ameaça, retira-se afinal da luta desigual: taciturno,sombrio,desfigurado,ei-lo vagando pelas estradas abandonadas ,e revolvendo em seu cérebro incendiado, o pensamento insensato, atroz, de extinguir a família....para não vê- la sofrer. A mesma cena se reproduz em cada aldeia, em cada tugúrio, por toda parte. A população decresce rapidamente, Roma já não pode fornecer o contingente de duas legiões ! Sob o reinado de Júlio Cezar, 850 mil homens vivem à custa do tesouro, e o recenseamento para ele instituído , indica já uma baixa assustadora na população e determina a criação da lei agrária, que reparte as terras da Campania entre 20 mil cidadãos pobres, tendo ao menos 3 filhos cada um. Medida esta tão inútil como a repartição forçada dos bens sob Caio Gracho, porque nenhuma delas se dirigiu à fonte do mal. Sob Augusto, a notícia da derrota do pequeno exército de Varus, enche de pavor a cidade Imperial : todos sabiam que, fossem quais fossem as violências empregadas no recrutamento, não se conseguiria mais levantar um punhado de combatentes. O caminho estava franco, e as portas de Roma largamente abertas para a invasão dos bárbaros.
Dr.Luiz Pereira Barretto
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